De 2 a 12 de Julho, teve lugar mais uma residência no Atelier Iris D'Arga com o intuito de cumprir os objectivos deste living lab, relacionar os designers com a natureza, a matéria prima que esta generosamente nos oferece e as tecnologias artesanais.
Seis estudantes do curso de design da Universidade de Aveiro imergiram numa realidade diferente do seu quotidiano e reflectirem sobre a mesma, percepcionaram as mais valias existentes no local e perceberam o potencial existente para desenhar novas soluções de serviços e artefactos relacionados com a realidade local.
Esta residência faz parte de um “work in progress”, que serve como experiência interpretativa para a organização e exploração do espaço-atelier e de soluções mais eficazes para o aproveitamento das suas potencialidades.
O workshop materializou a necessidade de experimentar, produzir, perceber e valorizar a realidade da trilogia, craft+design+natureza.
Um conjunto de artefactos em madeira foi produzido, tornando este espaço, num lugar vivo de descoberta, de convívio, de trabalho prazer e emoções que me enche de energia para continuar.
PS: foi um prazer “trabalhar” com a Inês, o João, a Mila, o Rafa, a Giló e a Bárbara.
Quando chegamos ao espaço do atelier Iris D'Arga, começámos a preparar as condições necessárias para a nossa residência. Montámos as tendas, prepáramos uma cozinha no espaço exterior e organizámos tudo de modo a que a utilização do espaço fosse fluída e mais adequada ao programa que viríamos a definir.
A primeira refeição em conjunto serviu para que pensássemos no objectivo colectivo, nos potenciais de cada um e como poderíamos aproveitar ao máximo a envolvente, as infrastuturas e os equipamentos instalados no atelier, com que poderíamos trabalhar madeira, cerâmica ou papier machê.
Decidimos, numa primeira fase, que iríamos fazer um reconhecimento local da fauna, da flora, da paisagem e das características morfológicas e geológicas da serra. Assim, visitámos o Centro Interpretativo da Serra D'Arga, onde pudemos compreender melhor o local , perceber também o que se produz localmente - mel, lã, algodão -, manusear alguns equipamentos antigos usados nas produções locais e estabelecer contacto com a população local e suas vivências.
Num passeio pela Serra, explorámos a natureza existente na zona. Passámos pelo icónico convento de São João D'Arga onde a paisagem ilustra a imponência da serra.
Durante este passeio, o acaso fez-nos encontrar uma lesma de grandes proporções, que nos despertou um interesse invulgar devido à sua textura, cor e forma. Mais tarde, chegámos à conclusão de que se tratava de uma espécie invasora conhecida como lesma assassina ou espanhola. A sua morfologia singular estabelece a simbiose ideal entre a natureza e as possibilidades de exploração a partir da ligação craft+design, que podem originar no futuro peças de grande qualidade visual.
Apesar disto, a madeira revelou-se como sendo o material mais apropriado para trabalharmos, devido ao curto espaço de tempo e à existência no atelier de um conjunto variado de ferramentas e matéria-prima pronta a ser transformada. Nesta escolha também influiu a grande quantidade de referências estéticas desta tipologia presentes no atelier.
Decidimos fazer a identificação e recolha de algumas espécies existentes. Verificámos que há nesta zona vários tipo de árvores, nomeadamente carvalhos, castanheiros, faias e bétulas, com grande potencial de transformação. Reunimos algumas amostras com as quais fizemos as primeiras experiências.
Visitámos ainda uma serração, onde recolhemos alguma madeira de castanho cortada em prancha, já seca, que necessitávamos para construir os artefactos. Aí compreendemos um pouco melhor a primeira fase de transformação da madeira, usando métodos de baixa tecnologia.
O trabalho de atelier dividiu-se então em várias fases: a primeira, a compreensão da matéria-prima, através do corte da madeira, descasque e polimento de ramos e intervenções directas sobre os mesmos com algumas ferramentas básicas. Percebemos assim as características de cada madeira, a nível da maleabilidade, resistência, forma, textura e cor.
A partir daí, começámos a pensar nos projectos a desenvolver. Decidimos que cada um desenharia e produziria um mobil e que em grupo construiríamos uma mesa de apoio e um banco.
Na oficina, explorámos pequenas maquetes, experimentando ferramentas para compreender as suas possibilidades de trabalho. Pudemos assim escolher as madeiras que se adaptavam a cada um dos projectos.
Todos os testes e experiências que efectuámos permitiram-nos avançar de uma forma segura para o desenvolvimento das peças finais e acabamento das mesmas.
Ao longo do desenvolvimento dos projectos individuais, a mesa de apoio começou a ser construída, também a partir dos materiais existentes. A sua forma surgiu muito naturalmente, tirando partido da morfologia dos ramos recolhidos.
Começámos a construir a mesa e o banco, que vai buscar inspiração a projectos já produzidos e que usam encaixes semelhantes. Não havendo a possibilidade de termos auxílio de profissionais de carpintaria, resolvemos encontrar uma solução construtiva que pudéssemos executar de forma autónoma.
Também aproveitámos algum tempo para outras actividades, particularmente manutenção do espaço e em várias visitas a localidades próximas.
Como o João Nunes é orientador de um dos projectos inseridos nas Indústrias Criativas da Bienal de Cerveira, fomos à apresentação deste projecto e assistimos à primeira reunião com a equipa que orienta, pudemos assim tomar contacto com algumas iniciativas culturais que existem em Vila Nova de Cerveira.
Como balanço da estadia, acreditamos que teve grandes frutos, nomeadamente no modo como nos relacionámos com o espaço. O contacto com a cultura e realidade local, bem como a envolvente da natureza, tornaram o trabalho em algo motivador. Do mesmo modo, foi interessante compreender a globalidade do processo, que passa por recolher o material no próprio "armazém da natureza" e aprender a seleccionar o material na floresta, idealizar o artefacto e produzi-lo na sua completude.
A própria natureza acaba por ter um grande peso na peça concebida, já que o designer pode escolher o ramo de acordo com o desenho, como também pode acontecer o inverso: as características que existem na natureza e que são inerentes a esta tornam-se no mote para o conceito do produto final.
Achamos que tem grande importância esta descontextualização de nós próprios e de vir à descoberta de algo que está fora do contexto académico a que estamos habituados. O trabalho no contexto deste atelier tem o benefício da existência de menos constrangimentos, e de uma amplitude de possibilidades de produção mais real, em que se estimula a criatividade e a sinergia, uns com os outros; a inexistência da competição e do desejo de destaque fez com que o trabalho, apesar de também estar focado em projectos individuais, se tornasse em algo conjunto, e se gerasse convívio e partilha de ideias e saberes, de uma forma bastante saudável e enriquecedora.
Apesar de o aproveitamento diário ter sido bastante satisfatório, visto no espaço de um dia conseguirmos fazer uma grande quantidade de coisas, acreditamos que poderíamos ter um prazo maior para uma execução mais completa dos projectos e mais tempo para a reflexão e contemplação sobre os mesmos. A existência de outras tarefas rotineiras, como cozinhar, acabaram por reduzir ligeiramente as horas de trabalho, embora fossem, de facto, momentos agradáveis para todos. Possivelmente deveríamos ter gerido o tempo de outro modo, já que em certas instâncias não tínhamos a capacidade de separar o lazer do trabalho e de adequar os nossos ritmos pessoais ao colectivo.
Salientamos que estas iniciativas não são de todo um desperdício de tempo. Pelo contrário, acreditamos que sair da zona de conforto é crucial enquanto aspirantes a designers e é o complemento ideal e necessário à formação que recebemos. É importante este afastamento da rotina para experienciar algo diferente, trabalhando directamente com a matéria, cumprindo regras, tendo que manter um espaço e forçando-nos a adaptarmo-nos a um outro ritmo de trabalho. A falta de um objectivo académico ou financeiro faz com que o propósito desta estadia seja unicamente o conhecimento e a vivência de algo fora do que é vulgar para nós, o que se traduz num ganho de experiência pessoal que vai certamente ter um grande impacto futuro na própria vida profissional de cada um.
Este tipo de actividade extra-académica tornou-se de certo modo num privilégio, que é dificilmente reconhecido, mas que deveria ser experienciado por todos como parte da sua formação pessoal e profissional. Há uma ligação com a realidade e o potencial da mesma, em que podemos explorar outro modo de relação com o design, fora do âmbito industrial ou gráfico puros. Reflectimos assim sobre soluções sociais menos industriais e massificadas, menos empresariais, que poderiam ser alternativas ao modelo actual, originando, talvez, um desaceleramento social.
Além disso, enquanto designers, fomos - como devemos ser - obrigados a olhar o que nos rodeia e a apercebermo-nos de que em qualquer meio, urbano ou rural, se pode fazer um aproveitamento de tudo. Qualquer local pode levar à geração de ideias, e à criação de algo, não havendo uma necessidade imperativa dos meios digitais.